A constante metamorfose do Circo Fiesta

O dia em Rio das Pedras, no interior de São Paulo, era de um branco de quase cegar. Ainda perdidos no centro da pequena cidade, ouvimos o carro de som anunciar o espetáculo da noite no Circo Fiesta, instalado num terreno descampado há alguns quilômetros dali – também palco para festas de rodeio e para crianças ganharem o céu com suas pipas. Agora, o composê colorido de trailers, caminhões e lona configurava o novo cenário que viria a ser nosso nos dias seguintes.

Por ser aquela uma passagem rápida pelo município, o circo estava representado por um conjunto modesto, já que grande parte de sua estrutura havia sido instalada na cidade vizinha de Piracicaba, para sediar o 10° Festival Paulista de Circo (www.facebook.com/10festivalpaulistadecirco2017), cujas lonas são montadas e coordenadas por César Guimarães, empresário e diretor do Fiesta. Ali, passamos três dias entre bastidores e espetáculos, numa vivência intensa daquele cotidiano, para reportar as histórias que se passam nesses intervalos e que há gerações costura a arte circense com a resiliência de seus artistas e números.

A festa de ontem e de hoje
O Circo Fiesta estreou, em 1992, com o nome de Power Circus, quando uma trupe de trapezistas – incluindo César e seus primos, como Gilberto Alves (hoje, considerado um dos maiores trapezistas do Brasil) –, com uma trajetória em vários grandes circos e com alguns prêmios no currículo, resolveu montar sua própria estrutura. Passados apenas 3 meses de circulação, receberam a visita de um pessoal de marketing da Nestlé, que enxergaram neles o perfil apropriado para representar um produto que iriam lançar. “E esse produto se chamava Moça Fiesta. Embarcamos nessa, porque realmente tínhamos as cores e a cara do lançamento. Éramos todos jovens e cabeludos. E essa parceria durou 5 anos e meio”, relembra o empresário. Na época da sociedade, eles tinham uma estrutura que era o dobro da atual. “Era uma outra característica do circo, a de abrigar mais de duas mil pessoas. E também pela própria proposta da Nestlé em não cobrar ingressos. O público entrava em troca de rótulos dos produtos”, conta.

Atualmente, com nova roupagem e circulando com uma estrutura mais compacta, principalmente em pequenas cidades, o Circo Fiesta procura promover uma união entre circenses que herdaram saberes de suas famílias, trupes recém-formadas (com artistas vindos de escolas de circo, por exemplo) e grupos teatrais. O que se vê no picadeiro é uma completa diversidade cênica, cujo desempenho dos artistas remete aos números clássicos, com uma pitada de irreverência aqui e outra ali. Um exemplo dessa repaginação é o número de mágica, que mistura elementos do ilusionismo com danças ao estilo cabaré e ao som de batidas eletrônicas. Tudo executado somente por mulheres no picadeiro.

E há também os números antigos que provam sua eficácia mesmo com o passar do tempo. É o caso do artista Bruno Edson, de 77 anos. Apesar de não ser exclusivo do Fiesta, sua longa amizade com César faz com que ele e sua companheira, a Japonesinha, estejam sempre na programação. E não tem conversa: suas apresentações de manipulação de objetos são sempre um sucesso, vídeo os aplausos ritmados da plateia. Um verdadeiro reflexo da alegria com que o casal entra em cena. Quando ambos apresentam o número de pratos bailarinos, vê-se a maestria oriunda de um trabalho estreado por Bruno aos oito anos de idade. “O povo que lota o circo vem para ver a gente, e quer ver o artista bem vestido, com um número limpo. E o artista tem esse compromisso com o público, porque dependemos dele. Entrar em cena bem vestido e fazer o número da melhor maneira possível”, ressalta ele, que já passou por grandes companhias como Tihany, Garcia, Orlando Orfei, Sarrasani, entre outros.

Antonio Padilha, administrador do circo, também acredita que um bom figurino seja uma das premissas para realizar um ótimo espetáculo. Com um caderno nas mãos, ele registra, com canetinhas coloridas, detalhadamente, tudo o que entra e sai na conta da empresa. “Ele vem para tentar implementar algumas coisas e trazer o antigo para o que a gente quer agora. Ele tem uma bagagem que ninguém tem”, salienta César, validando o conhecimento que Padilha tem nessa área e justificando sua presença na gestão. Ele acredita que, para fazer ou criar uma fórmula nova de administração, é preciso contar com o que passou, com a experiência de quem chegou até aqui.

Fazendo malabarismos
Além da nova configuração de tamanho, o Circo Fiesta reviu e adaptou seus números na busca por ampliar o público. Tendo uma lona menor, o artista se via mais próximo da plateia e passou a interagir mais com ela, numa relação mais intimista. Um desdobramento dessa nova visão do circo foi colocar na programação espetáculos infantis ligados a personagens do cinema e da televisão, como Masha e o Urso (um desenho animado russo, produzido pela Animaccord Studios), Frozen (um filme musical estadunidense, produzido pela Walt Disney Animation Studios), entre outras animações. Falem bem ou falem mal, o fato é que elas passaram a ser grandes atrações, e, por agradarem muito aos filhos, fazem felizes também os pais. “Quando a criança olha aquele desenho de que ela gosta, ela vai querer imitá-lo. Masha e o Urso, Olaf… não são desenhos da minha época, mas ao ver como meus filhos ficam ao vê-los, me dá aquele ânimo. Eu penso: ‘ah, eu vou fazer porque ele vai estar sentado lá na plateia e vai ver que é igualzinho como na tevê. E daí vai querer dar aquele abraço’”, relata Almir da Silva, que se fantasia de muitos personagens durante o espetáculo.

Para manter operante a engrenagem do circo, a equipe do Fiesta precisa ser engenhosa diante da carência por espaços nas cidades, das exigências do Corpo de Bombeiros, dos poucos recursos disponíveis, da ausência de divulgação, ou mesmo, da falta de curiosidade das pessoas. “Hoje em dia, você não tem mais aquele jovem que não sabe mais o que é o circo, porque ele praticamente nasce com um telefone na mão. Você tem a internet. Então, você fala ‘circo’, ele vai digitar no Google e já vai saber o que é. Mas ele nunca viveu aquela magia”, acredita Gerson Lamberti, o mestre de pista. Ele recorda que muitos circos brasileiros fecharam suas portas nos últimos anos, na mesma época em que foi dado um grande apoio às primeira e segunda visitas do Cirque du Soleil ao Brasil. “Daí veio patrocínio daqui e dali. E a gente se viu assim. Poxa, a gente tem equipe, tem números, aparelhos que precisam ser cromados… Mas se o circo não tem condições para se manter, é uma questão econômica, de divulgação governamental, por um espaço que não tem na cidade”, reclama.

Amor declarado
A gente sabe que fazer o que se gosta é primordial, mas dentro de um circo, essa premissa parece ganhar lentes de aumento. Ouvimos relatos de muitos artistas e assistentes que passaram por um período de suas vidas longe da lona. E foi unânime escutar a alegria com que retornaram à vida itinerante. O locutor Gerson, por exemplo, faz parte da quinta geração da família que caminha com o circo. “Lembro da minha mãe e do meu pai trabalhando. E aquilo cresce naturalmente na vida do filho do circense. Então, a gente entra natural. O pai pintou a cara, o filho quer aprender a pintar também. Quem está acostumado a viver dentro de trailers, pode até se adaptar a outra vida, mas não esquece”, adverte ele.

À semelhança dele está a paixão de Manuel Balle em ser o palhaço Chispita. “Eu gosto do que eu faço e eu faço o que eu gosto”, diz o piloto da ambulância maluca, um carrinho adaptado e construído por ele que faz a maior bagunça quando entra no picadeiro, tornando-se uma atração do circo. Enquanto coloca “a menor máscara do mundo” (como ele se refere ao nariz vermelho), Manuel diz que não tem dinheiro no mundo que pague ver, de lá do picadeiro, uma criança sorrir por uma palhaçada sua. Já Padilha, na posição de quem foi um pouco de tudo embaixo da lona – mágico, domador, trapezista e palhaço –, agora, ele se desdobra para administrar um circo para que tudo o que acontece sob a lona se mantenha firme. “Eu fui para o circo de livre e espontânea vontade. Vou fazer e fiz. Hoje, sei que eu tenho um nome a zelar. Falou Padilha, todos sabem quem é”, orgulha-se.

Assista ao vídeo abaixo para conferir o que O Quintal de Fulana e Melão registrou a partir dessa vivência no Circo Fiesta.

 

Circo Fiesta
circofiesta.com.br
circofiesta.wix.com/cf
facebook.com/novocircofiesta
circofiesta@gmail.com
Rio das Pedras – SP

Acompanhe todas as reportagens e os registros de nossas apresentações pela aba Caravana_SP que está em nosso site.

Patrocinadores

A Caravana_SP é apoiada pelo ProAC e pela Secretaria da Cultura do Governo do Estado de São Paulo. O Quintal de Fulana e Melão foi contemplado com o prêmio do EDITAL PROAC N° 41/2016 – PUBLICAÇÃO DE CONTEÚDO CULTURAL.

PICADEIRO UNIVERSAL