ICA – afirmando virtudes por meio do circo social
1 de outubro de 2017
“Aqui, não existe o ‘não sei’, o ‘não pode’”. Tal declaração foi feita por Maria Isabel Somme, coordenadora da Instituição de Incentivo à Criança e ao Adolescente (ou simplesmente “o ICA”, como é apelidado por todos), em meio à entrevista que nos deu quando visitamos Mogi Mirim (SP) para conhecer essa que é uma das mais expoentes iniciativas de promoção e prática do circo social no Brasil. Cada palavra dita por ela se espelha em um cotidiano educacional em que o amor e a arte são os elementos fundamentais para os gestos pedagógicos da equipe que coordena. Em um lugar onde não saber e não poder são cartas fora do baralho, sobra espaço para que toda potência de conhecimento e mudança de realidades socioculturais possa se expandir, se elevar. “E o circo é esse lugar”, ela completa, “que acessa o lado das virtudes mais afirmativas”.
Há 20 anos, o ICA acolhe crianças e adolescentes em vulnerabilidade social e proporciona a eles um ambiente lúdico (aberto ao diálogo sobre quaisquer temas), no qual o corpo e o pensamento do jovem são impulsionados, pelo viés do circo social, a atingir outros patamares, distintos daqueles aos quais estariam fadados – as violências de várias ordens ou a escassez de recursos e de oportunidades. “A gente percebe, na carne, o quanto o circo acaba sendo transformador na vida das crianças”, relata Daniel Lopes, um dos educadores da instituição. Ele, atualmente, ministra aulas de circo nas Oficinas Vivas, nas quais os participantes escolhem como as atividades serão realizadas ao longo do tempo em que educador e educando estão construindo coletivamente tanto o saber quanto o fazer circense. Uma referência resultante do trabalho com as atividades circenses desenvolvidas dentro da instituição é a Trupe Sofia, formada por alunos dos projetos Carpe Diem e Ícaro, que promove a formação em teatro-circense e o fomento de produtos culturais locais.
Segundo Maria Isabel, o circo “trabalha a inclusão, a abertura interna de cada ser para se dedicar a esse processo, com alegria, brincadeira, jogos colaborativos e a produção de pequenas intervenções”. Assim sendo, não é nenhuma obrigação participar das atividades circenses. A diversão é a força motriz que faz com que os educandos se superem cada vez mais por meio dos desafios que o circo coloca. Citando os estudos desenvolvidos sobre o assunto no âmbito acadêmico (o ICA é colaborador do grupo de pesquisa CIRCUS-FEF/Unicamp), ela diz que “o circo se reinventa enquanto linguagem, enquanto fruição dessa arte. O circo tem esse cuidado, esse carinho pela inclusão”.
Joias da casa
Muitos dos atuais educadores do ICA são joias da casa, jovens que foram educandos e que, por inspiração e determinação, hoje em dia, são colaboradores contratados, integrando as equipes pedagógicas. A instituição é um centro de formação de educadores sociais, enfatiza Maria Isabel, que podem espalhar esse conhecimento mundo afora: “a gente tem educadores formados pelo ICA que têm a possibilidade de reaplicar a metodologia do circo social e de seus pilares na formação de educadores que trabalham com as várias questões sociais”. Daniela dos Santos, educadora social no ICA, é um desses exemplos. “Para mim, na verdade, é como uma missão. Eu digo para os educandos que não é simplesmente um trabalho, é um propósito de vida em que você se doa para as pessoas”, ela conta. Daniela, de tão inspirada pela prática como educadora, foi estudar pedagogia, o que a auxilia bastante na didática e no planejamento de suas aulas.
Valber Campos, outro educador social, tem 11 anos de ICA. Depois de mais da metade de sua vida em contato com a instituição, o jovem de 21 anos relata mudanças significativas de lá para cá: “eu era bem tímido. Quando entrei na sede, eu não falava, eu não me comunicava com os outros. Aí, através das aulas, eu fui me soltando mais. Os professores da minha época foram me dando oportunidades, espaço para eu poder falar, para eu colocar as ideias. Até que, hoje, eu não sou mais tímido, já consigo trabalhar bem com o público”.
“Eu amo ensinar, amo o que eu faço, amo as crianças”, destaca Daiane Gomes, também educadora social, de cuja posição pode acompanhar o desenrolar das mudanças nos comportamentos de seus educandos de forma atenta. Ela observa como as atividades propostas pelo ICA são divisoras de águas para cada criança ou adolescente. “Eles se desenvolvem muito mais rápido. Tanto na parte cognitiva, quanto na coordenação motora. Eu vejo pelas crianças aqui da escola, comparando quem está no ICA e quem não está”.
Atuação além da sede
A gratidão das diretoras atendidas em suas escolas pelo projeto é patente nos semblantes delas, nem sendo preciso escutá-las por muito tempo para saber o quanto o ICA é bem-vindo. Sandra Marquesi, diretora da Escola Estadual (EE) Valério Strang, local onde a educadora Daniela atua, cita os 50 alunos atendidos por um projeto de intervenção comunitária do ICA que se chama Garatujas, lançado em 2016, e destaca as mudanças em seus comportamentos. Por isso, reforça que seu desejo é o de que o ICA possa aumentar mais e mais os atendimentos. “Acho que é um superprivilégio a gente estar atuando na comunidade”, afirma Valber, que diz não ter ideia do que estaria fazendo atualmente caso o ICA não tivesse aparecido em sua trajetória. Tendo sua própria história impactada pelas ações da instituição, Daniela é outra entusiasta do efeito que seu trabalho nessas escolas pode ter. “Se foi feita uma transformação na minha vida através do circo, eu acredito que isso pode ser feito na vida de outras pessoas também”, defende.
Mara Fernanda Ortiz, diretora da Escola Municipal de Educação Básica (EMEB) Alfredo Bérgamo, onde Valber e Daiane atuam como educadores sociais, afirma que as crianças se interessam muito pelas atividades propostas e são beneficiadas com elas: “é um trabalho bem integrado, que contribui muito com a formação das crianças, porque alguns assuntos, fora das atividades que eles aplicam na escola, estão pautados no desenvolvimento da cidadania”. Essa atuação dos educadores além da sede do ICA leva as atividades circenses às escolas estaduais e municipais, incluindo aqui outras duas EMEBs (Adib Chaib e Geraldo Pinheiro), e também aos programas da secretaria de assistência social municipal, como o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), nas unidades Norte, Sul e Leste. Somam-se, assim, sete pontos de atuação do ICA na cidade de Mogi Mirim com atendimentos diários para 670 crianças e adolescentes, solidificando uma trajetória de relevantes experiências, tendo em suas bases metodológicas o apoio da arte, dos princípios da Educação Popular (Paulo Freire) e da Formação Integral (Anísio Teixeira), que valorizam as experiências e oportunizam ações articuladas para o desenvolvimento desse público, considerando os aspectos formativos nas dimensões física, emocional, social e cultural.
Um desafio a cada dia
Desde que Sofia Mazon fundou a instituição em 1997 (veja a linha do tempo da instituição aqui), o ICA não deixa de superar desafios. Se não fosse pelo trabalho colaborativo em sua rede de parcerias, pela comunicação entre pares que concretiza cada projeto idealizado, o ICA ainda seria somente um sonho, e não esse modelo de gestão para muitas iniciativas sociais. Sim, o circo social impunha desafios já no início e ainda os impõe. No ICA, o primeiro deles, conta Maria Isabel, tinha a ver a própria linguagem, com a obtenção da formação técnica que envolveria o lúdico, a brincadeira, mas também o cuidado com o corpo da criança, com a segurança da atividade, já que a prática circense desafia e traz riscos. Uma resposta foi a formação continuada de educadores nesse segmento. Só que, para viabilizar a formação, os materiais de apoio, o espaço físico e a gestão desses ciclos, é sempre necessário ter dinheiro – em investimento contínuo (mais um desafio!). Para ter recursos, então, foi e é importante que o ICA se articulasse com a comunidade antes de tudo: a equipe é formada no próprio processo, por exemplo; fora as parcerias com diretores de escolas, com as secretarias e conselhos municipais etc. “Embora a gente trabalhe no terceiro setor, em um lugar em que você olha para a realidade sociocultural, para sua história, você também tem que ter habilidades e competências profissionais para responder, por meio de informações legais, jurídicas, como dar forma à sua saúde financeira”, explica Maria Isabel.
Tendo sua tecnologia social testada e reconhecida nacionalmente por importantes órgãos como UNICEF, Fundação Itaú Social e BrazilFoundation, amplia sua atuação com objetivo de articulação de formação comunitária pela causa da criança e do adolescente junto à comunidade onde se insere. O espaço de sua sede é composto por dois anfiteatros que abrigam relevantes encontros de formação comunitária, nas áreas da assistência social, da educação e da cultura, dentre outras. Em 2016, deu início à formação de educadores de circo social para os profissionais das 22 instituições que pertencem à Rede Circo do Mundo Brasil (Cirque du Monde by Cirque du Soleil), da qual o ICA é parte e é referendado por ela como centro de formação no Sudeste. De mãos dadas e conectadas pelo propósito de promover mudanças em realidades por meio do circo, as atividades de todas essas instituições se garantem na superação ao longo dos 10 anos de constituição da rede.
De acordo com Daniel, ampliar a comunicação é uma maneira de sobrevivência de todas as instituições que lidam com o circo social. É sempre uma chave importante a possibilidade de obter mais contatos, aumentar a visibilidade e ter um retorno da sociedade nos seus vários níveis e instâncias para engrenar mais projetos ou para que a instituição consiga dar mais apoio a um maior número de beneficiários. “Essa é uma chave muito evidente no ICA, dessa necessidade permanente de ampliar os contatos, de ter visibilidade de seu trabalho, de ter retorno e de ser acolhido. É um trabalho muito consistente, digno, muito forte e que depende sempre dessa troca permanente”, salienta.
Logo abaixo, você pode ver em vídeo um pouco do cotidiano vivido pelos jovens atendidos pela ICA. Essas pessoas que conversaram com a gente na reportagem – e outras mais – falam de muitos assuntos importantes sobre o circo social e seu uso como ferramenta para oportunizar mudanças de perspectivas. Assista, envolva-se e se emocione com ele.
E se você quiser saber como colaborar com a instituição de alguma maneira, acesse este post especial que fizemos sobre o assunto.
ICA – Instituição de Incentivo à Criança e ao Adolescente
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A Caravana_SP é apoiada pelo ProAC e pela Secretaria da Cultura do Governo do Estado de São Paulo. O Quintal de Fulana e Melão foi contemplado com o prêmio do EDITAL PROAC N° 41/2016 – PUBLICAÇÃO DE CONTEÚDO CULTURAL.