Falando a língua (da Trupe) Koskowisck

Longe das aparências, o nome da trupe não tem nada de russo: Koskowisck é um tipo de Gromelô (Grammelot, em francês), que é a língua universal do palhaço, uma fala cheia de palavras que, mesmo não tão inteligíveis assim, fazem todo sentido na boca e no corpo de um palhaço. E a Koskowisck foi uma variante criada pela companhia lá no início de sua formação, quando ainda eram quatro os seus integrantes (chegaram a ser cinco!). Agora, mais de 10 anos depois, levando adiante um tantinho do repertório clássico da palhaçaria mesclado a piadas, esquetes e dramaturgias próprias, Geisa Helena e Alexandre Malhone, os palhaços Chiquita e Cotonete, circulam por aqui e acolá divertindo gerações em lonas, ruas, escolas, teatros… onde quer que haja gente disposta a rir e se inspirar.

Saindo de Sorocaba (SP), cidade onde foi formada, a dupla já esteve nas cinco regiões do Brasil, além de Argentina, Equador, El Salvador, Portugal e Espanha. E em alguns desses lugares, fizeram contato com gente que nunca tinha visto um palhaço antes ou que, pelas dificuldades impostas, não podem ter muito acesso à palhaçaria, como alguns povos ribeirinhos do Amazonas (por meio do projeto Cine Amazônia) ou mulheres em uma prisão feminina em El Salvador. Experiências que, segundo Geisa e Alexandre, fizeram-nos repensar o papel social dos artistas, o que, para eles, significa uma atuação que extrapola a cena, uma atuação que seja política. Tanto que um sonho deles é fazer parte da versão palestina do Festiclown, um festival de palhaços organizado pelo espanhol Ivan Prado, um artista reconhecido pelo ativismo na região de conflitos entre Israel e Palestina, no Oriente Médio.

As origens palhacescas
Geisa, que tem formação em educação física, começou no teatro querendo ser uma atriz dramática. Um antigo diretor dela foi quem a estimulou a se tornar palhaça. Ela conta que foi muito por acaso que a Chiquita nasceu. Foi no improviso. Inicialmente, com certo desconforto: “Eu não me via fazendo comicidade”, diz. Mas logo depois, com a intensa prática, seu jeito de interpretar e seu corpo se ajustaram, digamos, perfeitamente à máscara palhacesca. O nariz vermelho transformou a Geisa numa Chiquita muuuuito engraçada. Pode acreditar.

Enquanto que para Alexandre, artista oriundo de família circense (saiba aqui sobre os Guaraciaba), ser palhaço não foi uma escolha. “Vivo disso e amo fazer palhaço, mas eu não tive opção. Foi algo que aconteceu na minha vida”, ele conta. Desde pequenos, ele e seus irmãos tiveram de trabalhar, aprendendo na raça a realizar números circenses. E, claro, pela vivência com os artistas cômicos ao longo de sua trajetória, Alexandre sabe de cor uma série de gags e pilhérias, o que faz com que Cotonete nunca fique na mão na hora de fazer graça de supetão.

 

Um encontro entre diferenças
Suas distintas formações concedem à dupla uma riqueza de repertório e uma destreza imensa no desempenho. Alexandre presenteia Geisa com o mapa do picadeiro e seu funcionamento orquestrado, ao passo que ela o retribui com a segurança na improvisação de quem conhece o pavimento arriscado das ruas. E essa harmonia conquistada entre eles não quer dizer que não possam divergir em determinadas searas de sua prática. Só para citar aqui neste texto (pois essa discussão você confere mesmo é no vídeo acima), quando o tema é o nariz vermelho, a necessidade de seu uso em cena e sua importância para a atuação, os dois pensam diferentemente: para ela, é uma pequena máscara potente em transformações pessoais e sociais; para ele, é só mais um instrumento de trabalho com ou sem o qual um bom palhaço consegue atuar.

Ter distintas origens e pensar diferente é o que mais enriquece o trabalho da Trupe Koskowisck. E tudo dá certo no fim das contas – ou quase certo, como aconteceria com qualquer dupla atrapalhada de palhaços. Por exemplo, no “Olha o palhaço no meio da rua”, espetáculo que acompanhamos de pertinho em escolas sorocabanas pela Caravana_SP, ambos estão em plena sintonia na cena, fazendo com maestria o jogo do Branco e/ou Augusto. E isso faz com que o espectador a todo instante se identifique ora com um palhaço, ora com outro, nas diferentes posições que ocupam em cena. O público, então, se projeta neles e naquilo que se vive no cotidiano: uns dominam, outros são dominados; uns são opressores, outros oprimidos; mesmo que esses papéis (posições) não sejam tão estáveis assim.

E para se reconhecer nesse jogo, nem é preciso ser adulto. Basta reparar em como as crianças reagem ao espetáculo, reconhecendo em Cotonete uma figura ligeiramente tirana (digna de vaias!) e em Chiquita uma mente atrapalhada a quem se deve dar apoio. “O que tem de mais legal quando você se apresenta para criança é o lance da verdade, da sinceridade delas. Porque se elas não gostarem, elas vão te vaiar. É um jogo verdadeiro, é um toma-lá-dá-cá”, destaca Geisa. A palhaçaria, dessa forma, sendo a linguagem cênica escolhida como mote da trupe, mostra quão risível (ou seria ridícula?) pode ser uma sociedade (e seus costumes), não importando a língua que fale ou a idade que tenha. O riso deixa qualquer rei nu.

Trupe Koskowisck
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