Uma raridade de palhaço
27 de maio de 2017
Don Carlos Calostro Mecônio é um palhaço raro. Não só porque está em preto e branco – diferentemente do colorido que impera nos figurinos da maioria dos palhaços –, mas também por resistir ao tempo (e fazer resistência em vários campos políticos). São 89 de idade, soma suficiente de anos para ter visto muitas guerras desde que nasceu. “Ele segue aguentando um monte de embates que têm a ver com a política, o social, o econômico. As problemáticas da Argentina ou da América Latina estão todas sobre o corpo de Calostro”, diz Walter Velázquez, o ator que o leva adiante.
Walter, no início de sua carreira, notava que sempre que tentava fazer algo dramático, era o riso que aparecia como resposta de seu público. Isso vem até de antes: ainda pequeno, por conta de seu comportamento na escola, como se fosse um prenúncio, os professores lhe perguntavam se ele sabia o que era um palhaço. Aos 19 anos, então, ele passou a estudar a palhaçaria: “ser palhaço, pessoalmente, me salvou a vida”. Para ele, salvar sua vida era uma questão de aceitação pessoal, pois, em sua opinião, seu palhaço Don Carlos Calostro Mecônio toma todos os seus erros e os converte em acertos, toma o pior do Walter para convertê-lo no melhor.
Calostro nasceu de uma pesquisa que Walter estava fazendo havia 12 anos para a criação de um espetáculo sobre um palhaço velho. Visitava asilos para identificar algumas características que gostaria de trazer à personagem que estava sendo gestada. Embora argentino, essa pesquisa, particularmente, foi feita na Espanha por um desejo pessoal. Certo dia, decidiu levar aos asilos que visitava a personagem que estava criando. “Foi algo genial porque havia muitos anos que os idosos não viam um palhaço. E foi como estar com crianças. Foi algo realmente incrível”, conta. De lá para cá, Walter não deixou de visitar os lares geriátricos, onde pode promover muitas trocas entre seu palhaço e os idosos que vivem neles. Segundo o ator, Don Carlos Calostro Mecônio nasceu “tomando o melhor e o pior de cada idoso”.
Nada de vovozinho
Mecônio não tem nada de “vovozinho”, portanto, seus espetáculos não são feitos para crianças. “Não porque haja uma ofensa, algo a que as crianças não possam assistir. E sim, porque elas não o compreendem. Porque elas detestam”, explica-se. Na Argentina, há uma tradição de cômicos muito irônicos, muito obscuros, de humor ácido. Embora preserve uma inocência, a figura que Walter interpreta se aproxima dos bufões e tem uma criticidade aguçada. Por exemplo, ao falar para a gente sobre o tema que está sempre tocando em suas apresentações, ele se enche de questões: “por que não há palhaços velhos? Por que não há palhaços internados nos asilos geriátricos? Para onde vai o palhaço velho? Onde ficam? Na Argentina, acontece que abandonam seus pais nos asilos e é lá onde ficam lamentavelmente”.
Falastrão que só ele, ainda mais quando o assunto é a velhice, Walter diz não saber se as pessoas que formam o público de Calostro Mecônio, ao irem lhe assistir, ou levam um tapa na cara ou uma carícia. Nas salas de teatro, o ator conta ao público como vive um idoso nos asilos e compartilha as piadas que andou ouvindo nesses lares. Em cena, há uma dramaturgia e um argumento, mas muita improvisação também. Nem sempre ele agrada ao público e o palhaço é consciente disso. Tangos cantados por Calostro Mecônio dão a tônica das cenas. E o espetáculo vai sendo orientado pelo gesto de se relacionar com o público. Walter relata sua tática de, ao visitar qualquer cidade, buscar informações sobre tal lugar, seus fatos e eventos importantes. “Tenho de estar muito atento ao que acontece para decidir o que conto”.
Não deixe de conferir o vídeo (acessível a pessoas com deficiência auditiva, bastanto ativar a função de legendas/Closed Captions) com um pouquinho da conversa que O Quintal de Fulana e Melão teve com Don Carlos Calostro Mecônio só para ter uma ideia de como esse palhaço tem muita história para contar… contar… contar…
Don Carlos Calostro Mecônio
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